terça-feira, 22 de novembro de 2011

LINGUAGEM CORPORAL

Resumo:Este artigo tem o objetivo de trazer reflexões valiosas sobre a importância da percepção das expressões corporais no cotidiano escolar. A busca pela interpretação da história emocional de cada um, impregnada nos sinais corporais (conscientes ou inconscientes), é uma ferramenta primordial no cotidiano dos educadores.
Igualmente importante é refletir sobre a valorização da subjetividade e da percepção sensorial dos sujeitos envolvidos no cotidiano escolar, dando ênfase à saúde emocional, ao fluxo energético e à unicidade entre mente e corpo, através da leitura corporal.
A linguagem corporal e a visão de unicidade funcional entre o psíquico e o somático proposto por Wilhelm Reich, no ambiente escolar, são instrumentos de sensibilização emocional na prática do processo ensino-aprendizagem, considerando o ser humano como uma totalidade indissociável das dimensões cognitiva, motora, afetiva e social.
 
Palavras-chave: linguagem corporal, educação e percepção sensorial.
Introdução:
É possível observar-se em ambientes escolares que muito ainda há de ser feito para alcançar uma educação mais humanizada que ofereça a possibilidade da expressão das emoções; sobretudo a partir da percepção sensorial e da linguagem corporal. Por conta de nosso excesso de racionalismo, as expressões corporais são subestimadas e conforme as circunstâncias, não são percebidas nem interpretadas. Ressalta Gaiarsa:“... além de nossos gestos e expressões intencionais, nós “passamos” para o outro muitas outras intenções, através de gestos e caras que fazemos sem perceber.”  (1986, p.22)
Ao completarmos apenas a primeira década do século XXI, estamos diante de imensos desafios educacionais, transformações (que nos inquietam e trazem mais e mais perguntas) e uma imensa necessidade de reflexões paradigmáticas. Nestes desafios, está inclusa a reflexão da construção de novos desígnios educacionais que privilegiem não apenas os aspectos cognitivos, mas também o desenvolvimento biopsicossocial de todos os sujeitos envolvidos na prática cotidiana do ambiente escolar. (GAIARSA, 1995)
Podemos observar que, mesmo no século XXI, os hábitos viciados do sistema escolar continuam a se reproduzir. A prática contraproducente de ensino ainda impera em boa parte dos ambientes supostamente educacionais. A dicotomia cartesiana ainda faz parte de uma maneira bastante determinante na prática de um grande número de ambientes escolares. Tais características independem das condições sociais do ambiente escolar, no que diz respeito às questões subjetivas e interpessoais dos sujeitos envolvidos.
Tanto professores quanto alunos expressam em sua linguagem corporal sua história de vida e suas experiências emocionais, que estão impressas em cada gesto cotidiano. O corpo carrega as impressões e os signos sociais que fazem parte de nossa relação com o ao redor:
“Que o corpo porta em si a marca da vida social, expressa-o a preocupação de toda sociedade em fazer imprimir nele, fisicamente, determinadas transformações que escolhe de um repertório cujos limites virtuais não se pode definir. Se considerarmos todas as modelações que sofre, constataremos que o corpo é pouco mais que uma massa de modelagem à qual a sociedade imprime formas segundo suas próprias disposições: formas nas quais a sociedade projeta a fisionomia do seu próprio espírito”. ( RODRIGUES, 1983, p. 62)
Por causa da nossa mentalidade viciada e de hábitos carregados de preconceitos seculares, costumamos subestimar estas valiosas expressões que nos ajudariam a criar um ambiente bem mais harmonioso e integral. O desconhecimento das nossas próprias expressões corporais vai gerar uma imensa dificuldade interpretativa em torno das nossas emoções e do confronto destas com as emoções do outro. Refletindo que:
“Quase todos nós temos uma percepção limitada da intensidade de nossas emoções ou mesmo daquilo que se deflagra. Na verdade, poucos são os que sabem pelo menos quais emoções estão sentindo”. (STEINER, 1998, p.38)
Em nossa formação, aprendemos a reprimir as emoções em nome da homogeneidade de comportamento tão exigida nos ambientes sociais. Mas, esta repressão vai gerar tensões internas, exatamente o que Wilhelm Reich (1984) chamava de couraça muscular. Neste constante, o “não expressar” o que realmente se sente transforma-se em doença expressa de forma orgânica ou comportamental, ou seja, em sintomas psicossomáticos.
Temos que olhar, em princípio, para a formação dos professores e propor novos caminhos, baseados nestas transformações e desafios a que o começo do século XXI nos convida. Neste processo, apoiamo-nos na influência da linguagem corporal e na valorização da expressão das emoções como instrumentos de vital importância para a saúde biopsicossocial de todos que fazem o ambiente escolar.
Ao analisarmos a relação da Educação com a sociedade como um todo, entendemos a prática cotidiana como um reflexo do que está arraigado há bastante tempo:
“o sofrimento humano,..., se deve...a situações causadas pelos efeitos desastrosos de um certo tipo de educação, pelas condições sociais, econômicas e culturais sobre o aspecto biopsíquico de cada indivíduo desde a vida intra-uterina...”(NAVARRO, 1995, p.71 )
Em constantes pesquisas sobre as condições emocionais e psíquicas de educadores, geralmente são constatados imensos desgastes que provocam o afastamento temporário do trabalho, o que conhecemos hoje por Síndrome de Burnout. Tais condições emocionais nos levam a refletir (com base nos princípios reichianos de fluxo de energia e equilíbrio biopsíquico), sobre a necessidade de mudanças no que se refere à construção de um ambiente que fomente de maneira sistemática o cuidado com as condições emocionais e com o cultivo da saúde psíquica destes profissionais, para que não se limitem a meros repetidores de informações para os alunos.(ALBERTINI, 1994)

A saúde emocional dos profissionais da EducaçãoExistem hoje mais manifestações de preocupação com a saúde emocional dos profissionais de Educação, por conta dos altos níveis de desgaste e adoecimento e da visível desvalorização do sistema educacional como um todo. Percebe-se que o maior dos problemas vivenciados por estes profissionais não é apenas o de ordem salarial, mas os estruturais e conjunturais, incluindo aspectos subjetivos pertinentes à sua saúde psíquica.
Com as mudanças significativas das últimas quatro décadas, no que se refere à estrutura familiar, questões que até então não eram de responsabilidade dos professores, passaram a ser atribuídas aos mesmos. Crianças e adolescentes trazem para a escola problemas adquiridos no ambiente doméstico, como agressividade, carência afetiva, baixa auto-estima, permissividade, ausência de valores humanos e apego exacerbado (comportamento compulsivo) às novas tecnologias da cibernética, etc.

De forma impactante, isso tem sido vivenciado pelos educadores, que também trazem para o ambiente escolar seus desgastes, suas descrenças e a falta de condições emocionais de lidar com este “momento de transição” da contemporaneidade. Diante desta particularidade o ambiente escolar não está conseguindo dar conta das citadas transformações e das inúmeras alterações de comportamentos típicos da pós-modernidade:
“A nova realidade econômica significa que agora os pais precisam trabalhar mais do que nas gerações passadas para sustentar a família – o que quer dizer que hoje a maioria dos pais tem menos tempo livre para passar com os filhos do que seus pais tinham para passar com eles”. (GOTTMAN, DECLAIRE,1997, p.16)
O recorrente adoecimento psíquico-emocional do educador é caracterizado por sintomas de depressão aliada ao esgotamento físico e mental. Por esta razão, muitos educadores preferem mudar de profissão a voltar para o cotidiano escolar, ficando marcados por uma seqüela psicológica de difícil administração.
Desgastes que comprometem a percepção dos aspectos subliminares e subjacentes da relação professor-aluno no cotidiano. É sobre estas leituras do ao redor que Paulo Freire se refere: “A percepção que o aluno tem de mim não resulta exclusivamente de como atuo mas também de como o aluno entende como atuo. Evidentemente, não posso levar meus dias como professor a perguntar aos alunos o que acham de mim ou como me avaliam. Mas devo estar atento à leitura que fazem de minha atividade com eles. Precisamos aprender a compreender a significação de um silêncio, ou de um sorriso ou de uma retirada da sala”. (2000, p.97)

Sabe-se que a formação dos educadores do século XXI, apesar dos avanços, ainda privilegia os saberes racionais (sobrepujando as manifestações emocionais), trazendo inúmeras dificuldades para prática cotidiana dos mesmos. A ignorância em não perceber o ser humano como uma totalidade indissociável não é problema exclusivo dos educadores,como  ressalta Reich: “este tipo de educação não se restringe aos indivíduos; é um problema que concerne ao âmago da estrutura e da formação do caráter do homem moderno”. (1984, p.297)
A preocupação com os aspectos energéticos, emocionais e corporais na formação dos educadores será de enorme proveito no cotidiano de trabalho em um ambiente escolar. Como afirma Lowen(1984, p. 50): “apenas na medida em que se percebe o próprio corpo, pode-se perceber os outros, e só quando se percebe a si mesmo como uma pessoa, pode-se sentir uma outra”. A partir daí, podem-se construir novos paradigmas em torno da formação destes profissionais, tratando a saúde emocional como elemento fundamental para a prática de quem lida com inúmeras situações interpessoais, que exigirão sensibilidade, equilíbrio psíquico e energético.
Há que se intervir decisivamente nas situações concretas destes educadores expostos a realidades hostis aos aspectos subjetivos e à saúde emocional, para que atuem na “linha de frente”, diante de crianças e jovens que necessitam de profissionais capazes de contribuir para seu desenvolvimento social, cognitivo, pessoal; e,  que possam influenciá-los positivamente, então, “...a boa educação depende do grau de saúde do educador.”
(ALBERTINI, 1993, p.77)
A percepção sensorial e a linguagem corporal no cotidiano escolarPercebemos que os desígnios e as repressões da sociedade autoritária são reproduzidos em nossa prática pessoal cotidiana na forma de preconceitos, que não são captados claramente. Eles atuam de forma subjacente em nossa formação e em nossa subjetividade. Dentre estas distorções, está nossa ignorância em relação aos movimentos corporais e a nossa excessiva valorização pelo que é expresso verbalmente apenas.
O cotidiano do ambiente escolar é um reflexo claro do ao redor desta sociedade, que nega as expressões das emoções, ressalta a racionalidade e embota a afetividade das relações interpessoais. Tal cotidiano cria situações de adoecimento, exatamente pelo fato de que a estrutura escolar não constrói situações nas quais as emoções possam ser percebidas e canalizadas com intuito de produzir crescimento e sensibilidade. Sobre a atual estrutura escolar, Gaiarsa corrobora a constatação: “O maior buraco de nossa educação é que na escola não se fala em afetos para crianças, que são, acima de tudo, sentimentos. Ainda são muito pouco cabeça. São muito corpo, muito víscera, muito emoção, muito movimento...”(1995, p.38)
Entendemos que mesmo nos dias atuais existem imensas barreiras, tabus e preconceitos em relação ao corpo e suas expressões. Para muitos é inconcebível qualquer tipo de relação entre as emoções, educação, saúde psíquica e expressões corporais. Ignorância ressaltada por Montagu: “Nós, os ocidentais, estamos começando a descobrir nossos negligenciados sentidos. Esta tomada crescente de consciência representa parte de uma insurreição tardia contra a dolorosa privação de experiências sensoriais que sofremos em nossa sociedade tecnológica”. (1986, p. 18)
Dentre os diversos desafios que os educadores do século XXI terão que enfrentar, está a construção de novos direcionamentos da prática cotidiana escolar. Consideramos também o aprender a interpretar os sinais sensoriais e emocionais (conscientes e inconscientes) expressos na linguagem corporal de si mesmo e dos alunos. Procurar entender que os enrijecimentos musculares surgem como resultado de choque entre as exigências pulsionais e o mundo externo que frustra essas exigências, o que em terapia reichiana se conhece por couraça muscular do caráter. (REICH, 1984)
Observando situações cotidianas das relações do ambiente escolar, entendemos que os preconceitos arraigados e a ignorância em relação à saúde emocional e aos movimentos corporais são o grande empecilho para se resolver questões bem simples, como a percepção de problemas emocionais(expressos num sinal de alerta sutil),  vivenciados por algum dos envolvidos na rotina escolar; mesmo que este não o expresse verbalmente. A busca pela auto-consciência afetiva é primordial para a percepção pessoal do ao redor:
Quanto maior sua autoconsciência, maior sua capacidade de levar em consideração esse processo de filtragem e fazer a distinção entre informações sensoriais e avaliações. (WEISINGER, 1997, p. 32)
Importante que os cursos de formação de educadores, em pleno século XXI, deem atenção a questões sensoriais e corporais, visto que a contemporaneidade o exige, com urgência. A intensidade das demandas escolares não está sendo suportada por esta estrutura escolar atrasada e ineficiente. Os educadores têm papel fundamental na instrumentalização das mudanças práticas nas relações interpessoais no cotidiano dos ambientes escolares.
Muito importante que professores e alunos sejam estimulados a perceber o próprio corpo e suas expressões. Nelas estão impregnadas marcas de sua história de vida e também suas respostas conscientes e inconscientes, diante do seu estar e, sociedade. A corporeidade no cotidiano escolar dará respostas mais completas sobre as condições emocionais de cada um, não mais perigosamente ofuscando a realidade interna de professores e alunos.
Mesmo em tempos de diversidade tecnológica, observamos uma nítida ignorância em relação às expressões corporais no ambiente escolar, a falta de percepção diante das respostas que o corpo emite para o ao redor sócio-afetivo. Preconceitos que impedem pais, alunos, funcionários e professores de entender e ter a percepção de algo bem simples: “A experiência cotidiana nos ensina uma verdade primordial: eu expresso meu corpo, meu corpo me expressa. Gestos, posturas, expressões refletem ainda mais minhas atitudes existenciais do que o meu discurso; eles exprimem meu caráter, meu modo de ver, de amar, de sentir; eles traem meus cinturões musculares e também morais.” (NAVARRO, 1995, p. 19)
Conclusão
Com a atenção aos movimentos corporais e a percepção sensorial nas relações do cotidiano escolar, objetiva-se um importante ressignificado, no estabelecer as relações interpessoais num ambiente primordial para a construção de uma sociedade mais humanizada e ética. A partir de então, a sensibilidade deixa de ser questão secundária. Alerta-nos Lowen: “todo o nosso sistema educacional é dirigido para o conhecimento e para a negação do sentimento.” (1979, p.255)
O cuidar da subjetividade passa a ter ênfase em meio à rotina escolar de se aprender bem os conteúdos. O sentir e o expressar-se não mais serão ofuscados e ridicularizados, como costumeiramente tem se relatado. O diálogo entre as questões internas e externas,tende  a ser estimulado dentre de uma linha de raciocínio de coerência entre desenvolvimento cognitivo e saúde emocional\psíquica: buscando uma unicidade funcional. Tanto “professor quanto o aluno estão vulneráveis às circunstâncias emocionais que decorrem durante o processo de ensino-aprendizagem.” (ALMEIDA, 1999, p. 88)
Mais importante numa estrutura escolar, que se proponha a estabelecer o novo, a se pensar no cultivo da saúde emocional da relação professor-aluno, é pensar na profilaxia diante das possíveis situações conflituosas e de adoecimento. Pensar a existência de uma política efetiva de cultivo de relações emocionalmente sadias, que contribuam com o desenvolvimento do ambiente escolar não mais como um ambiente de competição e ensinamentos conteudistas apenas.
O pensar o corpo, o significado de suas expressões faz parte de um processo de valorização do todo, da busca de olhar o ser humano integral, principalmente quando estamos nos referindo à vulnerabilidade de crianças e adolescentes. Esse refletir permanente toca de maneira significativa nos preconceitos incrustados em nossa formação, que alimentam nossa ignorância e leitura distorcida no que tange à emoção:
“As emoções são funções bioenergéticas, plasmáticas, e não são funções mentais ou químicas ou mecânicas. Temos de harmonizar as funções bioenergéticas, as mentais e as estruturais com as funções emocionais, como princípio de funcionamento comum.” (REICH, 1979, p. 514)
O reflexo positivo logo será sentido com a valorização da dimensão somática, da sensibilidade de todos que estão inseridos no cotidiano escolar, em que será considerado significativo o que foi expresso com o corpo todo, não apenas o que foi verbalizado. Entendendo que em determinadas situações o corpo nos dá sinais mais evidentes que a fala e nos fornece pistas muito mais importantes.
Bibliografia
Referências:
ALBERTINI, P. Reich: História das idéias e formulações para a educação. São Paulo: Agora. 1994.
ALMEIDA, Ana Rita Silva. A emoção na sala de aula. São Paulo: Papirus. 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Editora Paz e Terra: São Paulo. 16ª edição. 2000.
GAIARSA, José Ângelo. O que é corpo. São Paulo: Brasiliense. 1986.
GAIARSA, José Ângelo. Sobre Uma Escola Para o Novo Homem. São Paulo: Editora Gente. 1995.
GOTTMAN, John. DECLAIRE, Joan. Inteligência Emocional e a Arte de Educar nossos filhos. Rio de Janeiro: objetiva 28ª edição. 1997.
LOWEN, Alexander. O corpo traído. São Paulo: Summus . 1979.
LOWEN, Alexander. Prazer: uma abordagem criativa da vida. São Paulo: Summus Editorial. 1970.
MONTAGU, Ashley. Tocar: o significado humano da pele. São Paulo: Summus. 1986.
NAVARRO, Frederico. Somatopsicodinâmica. São Paulo: Summus. 1995.
NAVARRO, Frederico. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus. 1995.
REICH, Wilhelm. A Função do Orgasmo. 10.ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.
REICH, Wilhelm. Análise do Caráter. Lisboa: publicações Dom Quixote. 1979.
RODRIGUES, José Carlos. Tabu do corpo. Rio de Janeiro: Achiamé.1983.
STEINER, Claude. Educação Emocional. Editora Objetiva: Rio de Janeiro. 1998.
WEISINGER, Hendrie. Inteligência Emocional no Trabalho. Rio de Janeiro: Objetiva. 1997.

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