terça-feira, 22 de novembro de 2011

A ESCUTA DO COLEGA PSICOPEDAGOGO

RESUMOEste artigo traz alguns questionamentos quanto ao engajamento da psicopedagogia à questões da bioética,  investigando a formação do psicopedagogo, e a postura de professores e alunos frente às problemáticas que surgem ao longo de uma formação acadêmica. Este estudo pretende fazer entender que a reflexão bioética precede qualquer norma, e que de outra forma não pode existir parâmetros seguros para nos guiarem em todas as nossas ações, especialmente num meio onde iremos tratar com uma demanda grande e diferenciada de valores pessoais, morais e culturais. Por trabalhar com pessoas e suas dificuldades de aprendizagem, a psicopedagogia pode buscar na bioética suporte que dê sustentabilidade as suas ações.
Palavras-Chave: Psicopedagogia, bioética, formação acadêmica.
ABSTRACTThis article will bring some questions about the engagement of the phsycopedagogy related to  bioethics issues, investigating the preparation of  phsycopedagogy students, and the attitude of teachers and students  during the course. This study will help to understand that bioethical reflection comes before any rule, once there is  no reliable parameters to guide us in all our actions without it, especially in an environment where we deal with a large demand and different personal values, moral and cultural. By working with people and their difficulties in learning, phsycopedagogy can get in bioethics the support that offers sustainability of its actions.
Keywords: Pshycopedagogy, bioethics, learnig
1.1 O que é bioética?O termo bioética surgiu pela primeira vez na década de 70, com o interesse de resgatar as ciências humanas, tendo sido primeiramente aplicado por Van Rensselaer Potter. Para ele a bioética tem o objetivo de auxiliar a humanidade no sentido de participação racional, porém cautelosa no processo da evolução biológica e cultural.  “Isso  se   deu   após   um   período   de   pensamento   crítico  em  relação  [...] capitalismo inconseqüente, que gerou  grandes males à civilização,  no sentido de  fortalecimento de  valores  individualistas,  no  sentimento de posse e poder.” (NUNES; NUNES, 2004, p.615)
Garrafa, (2005, p.333) justifica que apesar da bioética abordar questões “cotidianas”, trata das questões que “acontecem todos os dias e não deveriam mais estar acontecendo”. Define Bioética como "o estudo sistemático das dimensões morais - incluindo visão, decisão e normas morais - das ciências da vida e do cuidado com a saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar", entretanto a definição mais singela que se pode dar à bioética é a de “Ética da Vida”. Para Potter (2006, p.74) a bioética é mais que a ética renascida: “É uma nova ética capaz de garantir a sobrevivência da humanidade mediante um estreito diálogo entre as ciências biomédicas e as ciências humanas”. Já para Ramos em Conferência proferida em 31.05.2001 na Universidade Federal de São Paulo, disponível em http://www.bioetica.org/?siteAcao diz que a bioética não está limitada às ciências da saúde, pois:
[...] desde que nasceu, quer olhar para a vida e para tudo, para todas as áreas do conhecimento que, de uma forma ou de outra, tem implicações sobre a vida. A sua atuação tem que ver com a vida. E é por isso que na sociedade bioética, nos congressos de Bioética, não se vê a hegemonia dos médicos, dentistas e enfermeiros; vemos juristas, filósofos, teólogos, economistas. É curioso estar no meio de economistas. Mas o que é que o economista tem que ver com a vida? Tem muito a ver com a vida porque os planos econômicos, governamentais, por exemplo, se geram desemprego ou não, garante a vida ou garante a morte. Esse é o enfoque da Bioética, esse verdadeiro enfoque interdisciplinar. Quer dizer algo diferente do que é o multidisciplinar, que conhecemos muito bem das nossas tradições universitárias, principalmente no Brasil. Multidisciplinar é sinônimo de um amontoado de diferentes profissionais, de diferentes formações, que não interagem entre si. Nesse modelo esses profissionais apenas empurram o problema para outro: - “Agora não é mais comigo (médico), agora é com a assistente social; – Agora não é mais comigo, agora é com o psicólogo”. Isso não é uma equipe, é um amontoado de gente competindo entre si.
De  acordo  com o  Centro de Bioética,  do  Estado  de  São Paulo (2009),  disponível  em, http://www.bioetica.org/?siteAcaohttp://www.bioetica.org/? Os princípios da bioética são:
1.Princípio da autonomia: respeito às decisões dos indivíduos, onde entende-se que cada um pode decidir por si só sem sofrer influencias externas; requer respeito à vontade, à crença, aos valores morais, reconhecendo o domínio do sujeito sobre sua própria vida e o respeito à sua intimidade. 
2. Princípio da beneficência: assegura o bem-estar das pessoas, garantindo que sejam atendidos seus interesses, ou seja agir em prol do bem-estar dos outros.
3. Princípio  da  não-maleficência:  preceitua  não  “causar dano”, assegura  que  sejam
evitados danos físicos aos sujeitos, seja de dimensão física, psíquica, moral, intelectual,
social, cultural ou espiritual, a finalidade é não causar mal.
4. Princípio da justiça: remete a igualdade na distribuição de bens e benefícios.
5. Princípio da proporcionalidade: procura o equilíbrio entre os riscos e benefícios, visando ao menor mal e ao maior benefício às pessoas.
Nunes; Nunes (2004, p. 616) dizem que a falta de congruência entre conhecimento e sabedoria começou a gerar conflitos no nosso dia a dia. Neste sentido a bioética tem um campo de reflexão bastante amplo, através dos modelos teóricos desenvolvidos que ajudam a pensar sobre as situações da vida ou de conflito, cotidianas, de limite e de fronteira e, também, classificadas como problemas emergentes e persistentes. Diniz e Guilhem, citadas por Medeiros, (2003, p.316) dizem que  o desafio bioético não é fácil e nem simples de ser praticado,  " [...] lidar com os temas bioéticos não é uma tarefa agradável..." As autoras destacam ainda o princípio da tolerância como a principal saída para os grandes impasses.
1.2 MetodologiaNa realização deste estudo, foram aplicados quinze questionários com sete perguntas cada um, a psicopedagogos em formação. Aplicaram-se ainda mais cinco questionários a profissionais já atuantes na área, e com formação em diferentes instituições de ensino superior. As perguntas feitas foram:
1. Como você definiria a palavra ética?
2.Com relação à humanização necessária aos cursos de formação nesta área como você caracterizou seu curso?
3.Diante de situações conflitivas no curso, como você se posicionou?
4. Cite uma situação positiva e uma negativa que te marcou ao longo do teu curso.
5. Considerando sua formação para atuar como psicopedagogo, o que mudaria no curso?
6. O curso atingiu sua expectativas? Você acredita estar pronto para o mercado de trabalho?
7.Como você se sentiu diante do desafio do estágio, considerando a bagagem oferecida pelo seu curso?
 Além disso, foi realizado um registro da escuta com a finalidade de possibilitar aos voluntários se expressarem quanto ao tema abordado por este assunto. No decorrer da devolução dos questionários, todos os voluntários manifestaram o desejo em justificar suas respostas, uma vez que os assuntos tratados eram considerados de extrema valia, o que vem de encontro ao título deste trabalho. 
1.3 Questões bioéticas
Se considerarmos a bioética como a “ética da vida” vamos entrelaçá-la à psicopedagogia,  entendendo  que  estaremos   resolvendo   os   conflitos   de   acordo   com  a maneira como entendemos e resolvemos nossa própria vida. A  história de vida de cada um, somada à formação profissional, neste caso do psicopedagogo clínico e institucional, vai definir como vai ser feito esse olhar para atuar sob os dilemas e, agir com ética.
Para Nunes; Nunes (2004, p.615) A ética se propõe a estudar o comportamento, buscando melhorias na maneira de agir, considerando um agir ético que supere o agir intuitivo, baseado apenas nas experiências vividas. Assim:  “Quando falamos será que devo fazer isso ou aquilo, quando faço escolhas baseio-me apenas em minhas experiências de vida [...] a ética propõe que nossas ações sejam guiadas por princípios e, principalmente, por uma reflexão contínua.”.
Quando pensamos em psicopedagogia nos remetemos imediatamente às dificuldades de aprendizagem, quando pensamos em bioética, nos remetemos à vida. Independente de estarmos falando da atuação psicopedagógica na área, clínica ou institucional, estaremos lidando com pessoas, com isso queremos destacar no campo da bioética o respeito pelas pessoas envolvidas no processo de aprendizagem, suas vidas e seus segredos. Conforme Loch, Kipper e Gauer (2003), citado por  Ludwig (2007, p.605) a Bioética não propõe receitas que se adequem a todas as situações. “Cada dilema é discutido para que seja resolvido da melhor forma. Não existem soluções prontas para os diferentes dilemas.” O psicopedagogo vai atuar com pessoas, com histórias de vidas e com segredos. Engelhardt (1995) citado por Ludwig (2007, p.607) fazendo menção à atuação médica, coloca que para que uma pessoa tenha um atendimento completo é preciso que se obtenham dados íntimos desta, o que exige do médico uma atenção especial para as questões confidenciais. É justamente neste ponto que a bioética vai se entrelaçar à psicopedagogia, pois o psicopedagogo deve estar preparado para ouvir histórias de vida que trazem as mais diferentes vivências e sentimentos, os segredos mais bem guardados, e que exigirá deste, sigilo total e muita privacidade.
Segundo Gaudium et. al (2006,p.16): “La conciencia es el núcleo más secreto y el sagrario del hombre, en el que está solo con Dios, cuya voz resuena en lo más íntimo de ella”. No campo da bioética fica claro que toda pessoa para orientar sua conduta necessita iluminar sua própria consciência, para isso deve buscar uma ética que venha do seu íntimo, das entranhas de sua própria vida, de onde deverá se sustentar.
1.4 A Bioética na Formação do psicopedagogoA idéia deste exercício de escuta não é contestar saberes, mas questionar formas de atuação, tanto dos professores, quanto dos acadêmicos, quando diante de situações de conflito. No espaço de escuta psicopedagógica aberto aos colegas, surgiram questionamentos que visam entender, qual será a melhor maneira de se formar um profissional desta área. A ética e a bioética são fundamentais à formação acadêmica do psicopedagogo? Somente um curso de graduação seria suficiente para qualificar  eticamente estes profissionais?
Este estudo indicou que a maioria dos voluntários não se sentiram à vontade no estágio obrigatório, assim como não se sentem preparados para atuar profissionalmente, totalizando 66%. Esses dados geram uma certa preocupação e alertam Docentes e coordenadores dos cursos, que:
[...] devem caminhar sempre no sentido de proporcionar uma formação cada vez melhor e, despindo-se de qualquer onipotência, precisam orientar os alunos nos seus caminhos em busca de uma prática sempre mais consciente. Têm que assumir, sem receio, o fato de que, nas condições em que ocorre, a formação em psicopedagogia no Brasil de hoje, num curso de carga horária próxima a 360 horas-aulas, que trata de tão grande variedade de temas, não assegura a prática que desejamos. (BOSSA, 1994  p.60)
Cabe refletir, e refletir dentro das bases da bioética “é repensar nossa própria maneira de ser, é desenvolver nossa capacidade de pensar, analisar os fatos da vida, e nos considerarmos sujeitos e não objeto de uma história construída”. (NUNES; NUNES, 2004, p.615-616) Dos quinze voluntários que responderam ao questionário, todos concordam que deveria haver no curso de psicopedagogia disciplinas de ética e bioética, ou seja, 100%. Já 86% afirmaram que apenas um curso de graduação não habilita bons profissionais, acreditando ser necessário uma especialização e 14% acreditam que apenas a graduação basta, justificando “quem faz a formação, é o aluno. É o aluno que deve buscar.” Dos cinco profissionais atuantes que responderam ao questionário, 60% consideraram sua formação acadêmica com “pouca base para atuar profissionalmente” e 40% se disseram “bem preparados”, mas destacam que  tiveram que “correr atrás de diferentes cursos e especializações”.
Cada um passa a buscar nos cursos de extensão, na pós-graduação, no mestrado e no doutorado, subsídios teóricos e práticos, que satisfaçam seus interesses e necessidades e que  preencham as lacunas que desejam. Entretanto nos deparamos com  muitos cursos que não apresentam no currículo, nenhuma disciplina relativa à ética e bioética. Essa não seria uma questão interessante levantada por este estudo, a ser vista e analisada com maior importância pelos que pensam e fazem o curriculo nos cursos de psicopedagogia?
Na pergunta você acredita que todos os colegas sairão bons profissionais, estão prontos para o mercado de trabalho?  Os resultados apontam para a importância de  considerar o perfil de cada candidato. Na fala de um dos colegas psicopedagogo em formação: “Para fazer o curso o candidato deveria preencher a determinados pré-requisitos, necessários a um futuro profissional desta área, como por exemplo: calma, perseverança e equilíbrio emocional.”
Com relação à satisfação a pesquisa registrou 90% de satisfação para a “forma como alguns professores conduzem com competência e coerência seu trabalho” E os outros 10% ficaram para a estrutura geral do curso. Quanto a insatisfação foi indicado “falta de respeito às opiniões e pré-conhecimento dos alunos”(34%) e “falta do espaço de escuta”(66%). Cabe mais uma vez refletir: “Podemos imaginar que todos os profissionais, por trabalharem com o psiquismo, com a subjetividade e a preocupação com o bem-estar, farão sempre o melhor pelo [...] sujeito?” (LUDWIG, et al., 2007, p.607)
O ensino da bioética é outra meta. A reflexão sobre questões verdadeiramente éticas suscitadas pela vida é o real alicerce de nosso código moral e de nossa conduta. Os conceitos de pessoa, responsabilidade, respeito, verdade, consciência, autonomia, justiça e outros, [...] deverão estar interiorizados para que possam nortear e modelar a conduta profissional. Tanto o paciente quanto o estudante e o profissional devem ser vistos como pessoas na totalidade de seu ser, libertos de processos alienantes. (CAMARGO, 1996).
A escuta aos colegas desta profissão levam a uma lamentável constatação, segundo as palavras de uma das entrevistadas: “sabemos de todas as nossas obrigações como psicopedagogas, mas nossos direitos não são preservados. Não temos espaço de escuta, dentro do curso e não podemos argumentar até onde achamos ser necessário, devendo acatar o que está determinado, o que nem sempre é justo. Somos muito cobrados, mas pouco vistos como profissionais em busca de aperfeiçoamento.”
Não devemos adotar uma postura conformista, pensar que as coisas não podem ser mudadas para melhor, que as coisas acontecem independente de nossa intervenção. Se em todo momento colocarmos uma questão para nós mesmos, se devemos agir assim, e procurarmos respostas entendendo que o que cada um faz não tem conseqüências só para si ou somente para os outros, estaremos modificando nossa história. Tudo o que fazemos tem conseqüências para todos, porque a todo tempo estamos reproduzindo ou construindo valores novos, porque fazemos parte de um todo, como espécie, como humanidade, como natureza. (GARRAFA, 2005, p.334):
Quanto a definição de ética as palavras citadas foram: conduta correta (66%), responsabilidade ( 20% ) sigilo( 8% ) integridade moral (4% ). De acordo com Clotet (2003) apud Ludwig et al., (2007, p.607) a PUC - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, iniciou na década de 90 no curso de medicina a disciplina de Bioética e em 2001 inseriu a disciplina na Pós-Graduação em  Psicologia, sendo estes cursos os primeiros do Brasil a agregar a disciplina. A maioria dos cursos de graduação e de especialização já contam com disciplinas nesta área, porém no curso em que este estudo foi realizado nenhuma disciplina está voltada a esta área.
1.5 O entrelace da psicopedagogia à BioéticaO psicopedagogo em formação, está desenvolvendo também a capacidade para ser “cuidador’ de pessoas, atuando de uma forma crítica e reflexiva, mas para que cuide é necessário que tenha em sua formação um espaço para também ser “cuidado”. Conforme De Sordi e Bagnato (1998, p.85), o que distinguirá tal formação  é “o espaço de interação entre professores e alunos”. De acordo com as autoras, o processo pedagógico deve permitir que o indivíduo desenvolva a capacidade de pensar criticamente e de interagir com a realidade, agindo reflexivamente sobre a realidade e tornando-se ativo frente às transformações sociais.
O ambiente de aprendizagem no curso de psicopedagogia deve abrir espaço para discussão de problemas, deve também servir como espaço de escuta para que sejam expressos sentimentos e ansiedades, afinal um curso que se dispõe a trabalhar com problemas de aprendizagem, deve também compreender e respeitar as dificuldades daqueles que estão em formação.  Todos devem ser capazes de integrar habilidades, de reconhecerem o potencial e as limitações (sua e do outro), o que dará o suporte necessário para “ir além”. Esta  responsabilidade não deve ser unicamente dos professores, muito menos do aluno em formação. Todos são responsáveis por atitudes éticas, ações ponderadas e equilibradas diante da adversidade, para tanto será importante investir em credibilidade, criando situações de confiança e respeito entre os ensinantes e aprendentes deste processo.
[...] não se transmite, em verdade, conhecimento, mas sinais desse conhecimento para que o sujeito possa, transformando-os, reproduzi-lo. O conhecimento é conhecimento do outro, porque o outro o possui, mas também porque é preciso conhecer o outro, quer dizer, pô-lo no lugar do professor [...] e conhecê-lo como tal. Não aprendemos com qualquer um, aprendemos com aquele a quem outorgamos confiança e direito de ensinar. (FERNANDÉZ, 1991, p.52)
Alunos e professores demonstram em muitas ocasiões dificuldades para lidar com os problemas. Nem sempre as situações que se apresentam são aceitáveis pelo grupo, e as reações são as mais diversas e adversas. Dividi esta forma de atuação em três grupos distintos:
1. Atuação omissa – aqueles que não se posicionam, preferindo escutar e não se expor colocando como justificativa, timidez, ou medo de represálias.
2.Atuação explosiva - aqueles que querem resolver os conflitos tomados por rompantes de fúria, levados a agir por impulso e agressividade verbal.
3.Atuação ponderada - aqueles que sabem ouvir, sabem se posicionar, escolhendo as palavras adequadas para a situação, mas mantendo seu ponto de vista e o equilíbrio emocional.
[...] os indivíduos enfrentam diferentes tarefas sócio psicológicas à medida que crescem. Novas exigências vão sendo feitas pela sociedade e novas formas de agir devem ser desenvolvidas. A forma como cada um vai resolver os desafios de cada um dos estágios vai determinar sua personalidade, sua identidade, enfim seu ajustamento.” (Erikson, apud  Braghirolli et. al:1995. p.153)
Considerando a dimensão pedagógica da função docente em qualquer curso de especialização, espera-se dos professores com tanto conhecimento em suas áreas de atuação, critérios básicos para ministrar uma boa aula. Em cursos que já trabalham basicamente com profissionais que vêm da área de educação, a exigência aumenta, e os então psicopedagogos em formação, tornam-se ainda mais exigentes e criteriosos, com relação à didática, metodologia e com as relações humanas que perpassam as aulas que estão recebendo. Entretanto, algumas aulas passam a ser “frias”, de caráter puramente conteudista, sem nenhuma harmonização com os propósitos da psicopedagogia, que “observa a importância do afetivo, com todos os seus desdobramentos no processo de aprendizagem.” (BOSSA,  p.97)
Os professores são entendidos e esperados como aptos a “passar’ da melhor forma “ensinamentos” aos psicopedagogos em formação, entretanto os caminhos se tornam em alguns momentos opostos e antagônicos, porque nem sempre a formação que deu origem a estes profissionais tão capacitados, os prepararam para desenvolver um trabalho acadêmico, especificamente voltado para sala de aula. Para conseguir que os alunos desenvolvam ao máximo suas capacidades respeitando ao mesmo tempo suas características individuais, é necessário realizar mudanças que permitam diversificar os métodos de trabalho e flexibilizar a prática educacional (ALCUDIA, 2002, p.108)
O trabalho com a bioética na formação dos psicopedagogos deve passar inicialmente pela atuação dos professores, a quem não cabe apenas “ensinar como atuar diante das dificuldades do aluno”, mas principalmente “atuar, mostrando como isso se faz, na prática”. Nosso estudo indicou insatisfação dos colegas, quanto a atuação de alguns profissionais de educação que “desenvolvem muito bem a teoria, mas estão distantes de uma prática humanizadora, que entenda, escute e respeite o aluno, enquanto pessoa”
O paradigma para tal formação atende as indicações de  Perrenoud (1999, p. 64) que destaca a importância de uma formação que estimule a atitude reflexiva, promova a construção de iniciativas próprias e, considere “os alunos, o campo, o meio ambiente, as parcerias e cooperações possíveis, os recursos e as limitações próprias do estabelecimento, dos obstáculos encontrados ou previsíveis” (p. 64). Os psicopedagogos em formação deveriam contar ao longo do curso com apoio psicopedagógico oferecido pela própria instituição de ensino que disponibilizasse ambiente propício para a discussão de problemas relacionados aos sentimentos e às reações que os estudantes têm em sua atividades em sala de aula e no estágio.
[...] a influência do ambiente, da cultura, é difícil de vencer sozinha e o aprender a compartilhar, é caminho para se superar a solidão. A fórmula para enfrentar esta situação é poder contar com uma companhia que nos ajude a viver a nossa vocação e nos ajude a aponte nosso destino. (RAMOS, 2001, p.50)
Registra-se neste estudo que alguns professores na pós-graduação se preparam para trazer o melhor de si e abrem frente ao grupo um espaço para troca, para discussão e interação de saberes; outros apresentam práticas ultrapassadas ou não são convincentes, nem no discurso, nem na atuação. Estes passam aulas inteiras numa tentativa, quase frustrada, de atuar com naturalidade, e encontrar meios adequados para ensinar, e quando não conseguem apelam para medidas repressivas, que nos remetem a mais antiga das práticas educacionais conservadoras.
De acordo com uma das alunas entrevistadas: “Uma das cenas que mais me marcou no curso foi uma professora afirmar que já havia dito que não aceitava toque de celular na sua aula, e que se ouvisse mais uma vez convidaria o aluno a se retirar”. Já outra entrevistada colocou que achou altamente antiético e humilhante, num ambiente acadêmico um professor dizer diante de toda a turma que, “o aluno só está passando mal para não ter que apresentar o trabalho (sorrindo com ironia)”, quando na verdade o aluno já apresentava problemas de saúde há algum tempo. Outra questão trazida durante a “escuta” refere-se a  preocupação do grupo com relação a uma colega deficiente visual, que teve em todo o curso “apenas dois ou três professores que preparavam a aula pensando nela”.Os princípios da bioética: autonomia, beneficência, não-maleficência, justiça e proporcionalidade, não tiveram nenhum espaço nestas duas situações.De acordo com Camargo, (1996, p.49):
Os conceitos de pessoa, responsabilidade, respeito, verdade, consciência, autonomia, justiça e outros, presentes no cotidiano [...], deverão estar interiorizados para que possam nortear e modelar a conduta profissional. Tanto o paciente quanto o estudante e o profissional devem ser vistos como pessoas na totalidade de seu ser, libertos de processos alienantes.
Os alunos desta especialização são na, sua maioria, advindos da área da educação, o que os torna ainda mais críticos e exigente. Diante de professores que não se importam com a formação do vínculo e a valorização do aluno e dos conhecimentos que eles já trazem consigo, o resultado que se observou  no grupo foi marcado por sentimentos de incapacidade e de insegurança. Eis que surge mais uma questão: e a tão falada manter a auto-estima do aluno elevada? E os princípios construtivistas? E a importância da formação do vínculo, aliada ao prazer de ensinar e aprender, assuntos tão em foco no curso de psicopedagogia? Para ressaltar ainda mais estes questionamentos transcrevo abaixo um trecho da fala do Dr. Dalton Luiz de Paula Ramos coordenador  do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Ibirapuera do estado de São Paulo, disponível em
http://www.hottopos.com/notand9/dalton.htm:
Como professor, responsável pela formação de futuros profissionais, vivo enfrentando uma questão. Como transmitir isso tudo para meus alunos ? Como educa-los ? Um primeiro esforço é no sentido de apresentar-lhes essa fundamentação, mas não depende só disso. O caminho é sermos efetiva companhia para eles. Eu tenho pela frente os alunos da graduação e da pós-graduação e tenho claríssimo o meu papel. Aliás eu tenho dramaticamente claro o meu papel pois fatalmente vem a tona também os meus limites pessoais. Eles olham para mim, como também olham para o outro professor na clínica lá do nosso hospital que tem uma postura diferente e que trata o paciente com menos respeito do que ele trata a própria caneta, porque a caneta o professor não pode perder, não pode sujar, não pode deixar cair no chão e o paciente é tratado como uma coisa que vale menos que uma canetinha barata. Como trabalhar com os alunos? Como trabalhar comigo mesmo? Vencendo essa solidão ! E não, eu também, me sentindo sozinho. E de que forma eu não me sinto sozinho nesse meu trabalho de forma a ajudar os meus alunos a também não viverem sozinhos? Buscando uma companhia que os permita vivenciar essas experiências com muito mais humanidade.
Temos que reconhecer que somos influenciados por uma cultura que vai na contra-mão desse esforço em um ser companhia para o outro. Nós vivemos imersos, impregnados por uma mentalidade que é individualista e que gera solidão. E isto muito mais hoje do que era há duzentos anos atrás, há trezentos anos atrás.
Existe essa forte influência cultural; some-se a isso a solidão que se vive nas nossas cidades. E se ensina essa solidão na Universidade; o trágico é isso. O professor ensina a solidão: - Você tem que ser independente, você tem que tomar decisões, você tem que decidir, em outras palavras, “seja solitário”! Porque depois, quando você sair da Universidade estará sozinho. Por enquanto, enquanto você está aqui como aluno a instituição te dá cobertura mas depois, quando você for para o seu consultório, depois que você tiver a sua carteirinha de registro profissional (que é aquele documento que parece representar que o profissional pode tudo e tem que responder por tudo), você estará sozinho; te vira cara, já te ensinei o que tinha que te ensinar, agora é contigo. Isto pode não ser dito, com estas palavras, nas salas de aulas da Universidade, mas é isto que é passado aos alunos, é esta a experiência de Universidade que eles estão fazendo.
1.6 Considerações FinaisAo concluir a reflexão sobre como está se dando as questões relativas à bioética no curso de formação para psicopedagogos, foi visto que os colegas em exercício de escuta consideraram-se autônomos quando das suas opções pela especialização, mas expressam terem sua autonomia tolhida durante o curso.
Considerando a autonomia um direito inerente à condição humana, que vai sendo construída ao longo da vida a questão é o que os teria feito pensar dessa forma? Embora tome por base todos os princípios da bioética já referidos, este artigo priorizou o princípio da autonomia para elucidar o problema específico aqui trazido e fundamentar esta discussão.
A Bioética na psicopedagogia, não se diferencia das demais áreas, pois se propõe a refletir cada dilema vivenciado em termos de aprendizagem, considerando as particularidades de cada indivíduo e entendendo que não existem verdades únicas, mas uma preocupação constante que permita que todo ser humano tenha o direito de aprender e conhecer o mundo de diferentes formas.
Por fim, este estudo apontou que dentro da formação acadêmica em psicopedagogia, existem várias práticas, e diferentes formas de atuação, que vão do diálogo, das situações práticas vivenciadas e discutidas, a formas mais rudimentares de ensinar e aprender, que acabam deixando de lado os critérios básicos da bioética.
Bibliografia
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