sexta-feira, 14 de outubro de 2011

PROBLEMA DE APRENDIZAGEM: POSSÍVEIS INTERVENÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS

Resumo:
Este artigo tem o propósito de abordar como se processa a aprendizagem através do olhar psicopedagógico e conseqüentemente nos levar a uma reflexão sobre o problema de aprendizagem e as possíveis intervenções psicopedagógicas sobre o referido problema.
Palavras-chave: Problema de aprendizagem, Criança, Psicopedagogia, Intervenções Psicopedagógicas.

Breve histórico da psicopedagogia

De acordo com Bossa (2000, p.37) a psicopedagogia surgiu na Europa, mais precisamente na França, em meados do século XIX, onde a Medicina, Psicologia e a Psicanálise, começaram a se preocupar com uma alternativa de intervenção nos problemas de aprendizagem e suas possíveis correções.

A corrente européia influenciou a iniciação psicopedagógica na Argentina, e a mesma influenciou a identidade da psicopedagogia Brasileira.

Em nosso país a psicopedagogia surge aproximadamente nos anos 70, a partir da necessidade de atendimento a crianças com distúrbios na aprendizagem, consideradas inaptas dentro do sistema educacional convencional, porém, os cursos na área só começam a se multiplicarem na década de 90.

E hoje, percebemos que a demanda pelos cursos aumentou muito, pois a psicopedagogia contribui para uma maior reflexão sobre o processo de aprendizagem e o desvio do mesmo.
Introdução
Desde 1999, trabalho como educadora em contanto com diferentes alunos no processo de aprendizagem ou “não-aprendizagem”.

Há mais precisamente dois anos, na minha prática pedagógica como supervisora no ensino fundamental, foi possível detectar no meio escolar, casos de alunos com “problemas de aprendizagem” ou “não-aprendizagem”. Estes alunos possuem padrões de desenvolvimento aquém do esperado, um ritmo diferenciado dos demais existentes na sua turma possui um raciocínio lógico matemático lento, dificuldade na leitura e escrita, pouco entrosamento com os colegas, demonstrando às vezes comportamentos agressivos, falta de interesse e concentração nas atividades propostas pelo docente, dificuldade em aceitar regras, limites e em memorizar seqüências e fatos.

A partir desse momento comecei a buscar nas bibliografias como: Castorina (1988), Fernandez (2001), Pain (1992), Patto (1990), Scoz (1998), Piaget (1976), Weiss (2000) dentre ouros, auxílio para a solução do problema que tanto nos aflige enquanto educadores.  E nessa busca me deparei com a intervenção da ação psicopedagógica sobre o problema de aprendizagem, visto que a psicopedagogia está se desenvolvendo a cada dia mais no Brasil, e que os educadores estão buscando-a, pois a mesma não se restringe apenas ao estudo das dificuldades e dos distúrbios de aprendizagem, mas à aprendizagem de um modo geral.
Aprendizagem: o que é e como se processa na visão psicopedagógica
Para enveredarmos sobre o problema de aprendizagem, necessitamos primeiramente compreender o que é aprendizagem e como ela se processa no olhar psicopedagógico.
Há na literatura vários modos de conceituar aprendizagem, muitos autores preocupam em definir o tema na visão psicopedagógica.

Alicia Fernández (2001) relata que todo sujeito tem sua modalidade de aprendizagem e os seus meios para construir o próprio conhecimento, e isso significa uma maneira muito pessoal para se dirigir e construir o saber.

Já Piaget (1976) busca subsídios na linha cognitivista para desenvolver uma caracterização do processo de aprendizagem. Ele afirma que a aprendizagem é um processo necessariamente equilibrante, pois faz com que o sistema cognitivo busque novas formas de interpretar e compreender a realidade enquanto o aluno aprende.
A aprendizagem é um fruto da história de cada sujeito e das relações que ele consegue estabelecer com o conhecimento ao longo da vida, afirma Bossa (2000).

Porém, quando falamos em aprendizagem, não podemos relacionar o problema simplesmente com o aluno, pois, a aprendizagem não é um processo individual, ou seja, não depende só do esforço de quem aprende, mas sim de um processo coletivo.

É o que ainda nos mostra Fernández (2001) a importância da família, que por sua vez, também é responsável pela aprendizagem da criança, já que os pais são os primeiros ensinantes e os mesmos determinam algumas modalidades de aprendizagem dos filhos.

Esta consideração também nos remete a relação professor-aluno, para essa mesma autora, “quando aprendemos, aprendemos com alguém, aprendemos daquele a quem outorgamos confiança e direito de ensinar.”.

Almeida (1993), também considera que a aprendizagem ocorre no vínculo com outra pessoa, a que ensina, “aprender, pois, é aprender com alguém”. É no campo das relações que se estabelecem entre professor e o aluno que se criam às condições para o aprendizado, seja quais forem os objetos de conhecimentos trabalhados.

Após verificarmos as considerações de alguns autores sobre o processo de aprendizagem, na visão psicopedagógica, pretendemos agora abordar o problema de aprendizagem, analisando as contribuições da psicopedagogia no desvio do processo de aprendizagem, ou seja, na dificuldade de aprendizagem.
A intervenção psicopedagógica no problema de aprendizagem

As causas do não aprender pode ser diversa. Em vista dessa complexidade, é necessário reconhecer que não é tarefa fácil para os educadores compreenderem essa pluricausalidade. Portanto, torna-se comum constatar que as escolas rotulam e condenam esse grupo de alunos à repetência ou multirrepentência, como também os colocam na berlinda, com adjetivos de alunos “sem solução” e vítimas de uma desigualdade social.

Neste contexto, analisaremos as possíveis intervenções psicopedagógicas na dificuldade de aprendizagem.

Para Weiss (2000), a prática psicopedagógica deve considerar o sujeito como um ser global, composto pelos aspectos orgânico, cognitivo, afetivo, social e pedagógico.
Vamos entender a participação de cada aspecto na compreensão da dificuldade de aprendizagem. O aspecto orgânico diz respeito à construção biológica do sujeito, portanto, a dificuldade de aprender de causa orgânica estaria relacionada ao corpo. O aspecto cognitivo está relacionado ao funcionamento das estruturas cognitivas. Nesse caso, o problema de aprendizagem residiria nas estruturas do pensamento do sujeito.
Por exemplo, uma criança estar no estágio pré-operatório e as atividades escolares exigirem que ela esteja no estágio operatório-concreto. O aspecto afetivo diz respeito à afetividade do sujeito e de sua relação com o aprender, com o desejo de aprender, pois o indivíduo pode não conseguir estabelecer um vínculo positivo com a aprendizagem. O aspecto social refere-se à relação do sujeito com a família, com a sociedade, seu contexto social e cultural. E, portanto, um aluno pode não aprender porque apresenta privação cultural em relação ao contexto escolar. Por último, o aspecto pedagógico, que está relacionado à forma como a escola organiza o seu trabalho, ou seja, o método, a avaliação, os conteúdos, a forma de ministrar a aula, entre outros. Para a autora a aprendizagem é a constante interação do sujeito com o meio. Podemos dizer também que é constante interação de todos os aspectos apresentados. Em contrapartida, a dificuldade de aprendizagem é o não-funcionamento ou o funcionamento insatisfatório de um dos aspectos apresentados, ou ainda, de uma relação inadequada entre eles.

Scoz (1998, p. 45) também agrupa os problemas de aprendizagem segundo a concepção de Visca para quem as dificuldades de aprendizagem referentes à escrita e à leitura, apresentam-se como nível de sintomas. Assim, esses problemas devem ser entendidos como produtos emergentes de uma pluricausalidade e não como decorrente de uma única causa.

Ainda Scoz (1994), vê os problemas de aprendizagem não se restringindo em causas físicas ou psicológicas. É preciso compreendê-los a partir de um enfoque multidimensional enfocando fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos. Ou seja, para aprender é necessário que exista uma relação de condições entre fatores externos e internos. Há necessidade de estabelecer uma mediação entre o educador e o educando.

Já Pain (1992, p. 32) destaca que, na concepção de Freud, os problemas de aprendizagem não são erros: “... são perturbações produzidas durante a aquisição e não nos mecanismos de conservação e disponibilidade...”; é necessário procurar compreender os problemas de aprendizagem não sobre o que se está fazendo, mas sim sobre como se está fazendo.

Ainda sobre o problema de aprendizagem Patto (1990), destaca que o fracasso escolar acontece pela falta de conhecimento, pelo menos em seus aspectos fundamentais, da realidade social na qual se enquadrou uma determinada versão sobre as diferenças de rendimento escolar existentes entre crianças de diferentes origens sociais.
Ao avaliarmos os alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem, vamos encontrar diversas categorias. Haverá aqueles que necessitam da intervenção psicológica ou psicopedagógica, ou até mesmo, aqueles que o problema pode ser resolvido dentro do contexto escolar, por meio de programas individualizados de ensino e práticas pedagógicas diferenciadas. Dessa forma a avaliação torna-se um elemento muito importante para traçarmos o caminho a seguir. Avaliar não para classificar, para rotular, mas para promover alternativas.

Vamos refletir um pouco, sobre como agimos diante das dificuldades de aprendizagem de nossos alunos. É comum prestarmos mais atenção às dificuldades, pois elas saltam aos olhos com muito mais evidências que as potencialidades. Podemos começar a pensar sobre a dificuldade de aprendizagem pelos acertos dos alunos. Assim, experimentando alguns sucessos, podemos abrir uma porta para a construção de um vínculo positivo com as demais áreas da aprendizagem que nosso aluno necessita aprimorar. Vamos descobrir os talentos dos nossos alunos e nos concentrar neles!
Veremos algumas sugestões para o trabalho com alunos portadores de dificuldades de aprendizagem, sobre a intervenção da psicopedagogia.

Organizar as turmas para o trabalho em grupo, juntando alunos que aprendem com facilidade e alunos que apresentam dificuldades também pode ser uma boa alternativa, pois as crianças e os adolescentes “falam a mesma língua” e podem funcionar como professores uns dos outros.

A psicopedagogia utiliza os termos “ensinantes e aprendentes” para denominar o par educativo que comumente conhecemos por professor e aluno. Mas quem é ensinante e que é aprendente? A nossa primeira tendência é imaginar que o ensinante é o professor e o aprendente é o aluno, não é mesmo? Mas para a psicopedagogia esses papéis se alternam o tempo inteiro, afinal, quem nunca aprendeu com um aluno? Qual o aluno que nunca ensinou nada ao professor? No processo ensino-aprendizagem visto pela psicopedagogia também aprendemos sobre nós, sobre a nossa forma de ensinar. O outro nos serve de espelho.

Como todo professor, queremos que nossos alunos acertem sempre, mas é bom adquirir um novo olhar sobre o erro na aprendizagem. O erro é um indicador de como o aluno está pensando e como ele compreendeu o que foi ensinado. Analisando com mais cuidado os erros dos alunos, podemos elaborar a reformulação e práticas docentes de modo que elas fiquem perto da necessidade dos alunos e assim atender a dificuldade que o mesmo apresenta.

É importante que o professor reflita sobre as causas do fracasso escolar não para se culpar, mas para se responsabilizar. Responsabilizar-se significa abraçar a causa e procurar alternativas para solucionar o problema. Não podemos nos satisfazer com aprendizagens parciais. Procurar compreender como ocorre o conhecimento, os fatores que interferem na aprendizagem, seus diferentes estágios, e as diferentes teorias que podem transformar o trabalho do professor em processo científico e assim ele percorrerá o caminho prática-teoria-prática.

Recomenda-se, também, que o professor, em conjunto com a equipe da escola, reflita sobre a estrutura curricular que está sendo oferecida e a compatibilidade deste com a estrutura cognitiva, afetiva e social do aluno, afinal para a psicopedagogia a aprendizagem se baseia no equilíbrio dessas estruturas.

O professor deve, ainda, adaptar a sua linguagem utilizada em sala de aula, pois pode haver diferença de cultura entre professor e alunos, e isso podem causar conflito e dificuldade de comunicação e conseqüentemente problema na aprendizagem.  Para Vygotsky (1993) Todos os seres humanos são capazes de aprender, mas é necessário que adaptemos a nossa forma de ensinar.

O enfoque psicopedagógico da dificuldade de aprendizagem compreende então, os processos de desenvolvimento e os caminhos da aprendizagem. Compreende o aluno de maneira interdisciplinar, buscando apoio em varias áreas do conhecimento e analisando aprendizagem no contexto escolar, familiar; e no aspecto afetivo, cognitivo e biológico.
Nesse contexto, cabe então ao professor, com uma visão psicopedagógica, ser um investigador dos processos de aprendizagem de seus alunos, evitando que o problema de aprendizagem leve a um fracasso escolar.

Acreditar, porém que o problema de aprendizagem é responsabilidade exclusiva do aluno, ou da família, ou somente da escola é, no mínimo uma atitude muito ingênua perante a grandiosidade que é a complexidade do aprender. Procurar achar um único culpado para o problema é mais ingênuo ainda. A atitude que devemos tomar enquanto educadores desejosos de uma educação de qualidade, com um menor número de crianças com dificuldade de aprendizagem, são intervir psicopedagógicamente sobre o problema de aprendizagem.

Para concluir, os problemas de aprendizagem constituem uma situação real presente nas instituições escolares. Portanto, é necessário que todos os envolvidos com questões educacionais realizem pesquisas que possibilitem conhecer cada vez melhor as relações entre os problemas de aprendizagem. Assim, pode-se recorrer ao psicopedagogo para estruturar formas de ações e ou intervenções psicopedagógicas que clareiem o caminho percorrido pelos sujeitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ALMEIDA, S. F. C. O lugar da afetividade e o desejo na relação ensinar-aprender; In: Revista Temas em Psicologia. Ribeira Preto – SP: Sociedade Brasileira de psicologia, 1993, n.1.
BOSSA, N. A Psicopedagogia no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2000.
CASTORINA, J. A. Psicologia genética. Aspectos metodológicos e implicações pedagógicas. Porto Alegre: Artes médicas, 1988.
FERNÁNDEZ, A. O Saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed,2001.
PAIN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem.4 ed. Porto Alegre: Artmed, 1992.
PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia, São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central ao desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar.1976.
SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 1994.
SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 1998.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
WEISS, M. L. Reflexões sobre o diagnóstico psicopedagógico. In: BOSSA, N.A. Psicopedagogia no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2000.

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